CONSTRUTIVISMO - Profª Rejane  

R E S U M O

O CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA: uma abordagem de conceitos presentes numa simples fala de criança.

O artigo tem por base a fala de uma criança quando questionada sobre como conseguiu ser aprovada na 1ª série, após haver revelado grandes dificuldades no processo de alfabetização. É um estudo que faz a relação entre essa fala e o Construtivismo. Aborda conceitos de Piaget e de pesquisadores sobre o Construtivismo, que fornecem dados para se compreender o sujeito que aprende.

REJANE PADOVANI RUZZA

O CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA: uma abordagem de conceitos presentes numa simples fala de criança. (*)

Rejane Padovani Ruzza


Resumo: O presente texto é o resultado de um estudo mais aprofundado de parte de um dos trabalhos de avaliação do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu, Psicopedagogia. Tem por base a fala de uma criança quando questionada sobre como conseguiu ser aprovada na 1ª série, após haver revelado grandes dificuldades no processo de alfabetização. É um estudo que faz a relação entre a fala da criança e o Construtivismo.

1- Introdução

Ao abordar-se aqui o relacionamento da fala de uma criança – do aluno – que após dificuldades de alfabetização na 1ª série veio a lograr êxito, sendo aprovada através da Concepção Construtivista da Aprendizagem e do Ensino, não se pode deixar de citar o nome de Jean Piaget. Sua teoria fornece dados para se compreender o sujeito que aprende. Nesta análise da frase da criança serão trabalhados os conceitos de Piaget, estudos de pesquisadores sobre o Construtivismo e o resultado de nossas observações do que está na fala e do que está subentendido nela. “Aprender é construir. A aprendizagem contribui para o desenvolvimento na medida em que aprender não é copiar ou reproduzir a realidade. Para a concepção construtivista, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender. Essa elaboração implica aproximar-se de tal objeto ou conteúdo com a finalidade de apreendê-lo; não se trata de uma aproximação vazia, a partir do nada, mas a partir das experiências, interesses e conhecimentos prévios que, presumivelmente, possam dar conta da novidade.”
Sendo que, dentro da concepção construtivista da aprendizagem e do ensino, há um caráter ativo do qual participa não apenas o sujeito que aprende como também outros elementos a sua volta fica evidente, na frase do aluno, esse aspecto da aprendizagem escolar como um processo ativo no qual o aluno constrói, modifica, diversifica seus esquemas de conhecimento, reelabora, soma com outros para se chegar a um objetivo.
Procurar-se-á aqui encontrar nessa frase conceitos do Construtivismo dentro de cada parte dela e de acordo com seu significado intrínseco também. O aluno, ao ser questionado sobre como conseguira se aprovado, dando uma definição bem abrangente, que envolve desde a elaboração do processo até como conseguiu chegar ao final, dentro de sua sabedoria ingênua e simples, respondeu:

“É assim, Ó, eu fui fazendo, fazendo,
Eu fui tentando e aí eu consegui. (...)
Tem que ir ajeitando na minha cabeça,
Misturando com as outras coisas.”

As implícitas referências ao ensino e à aprendizagem, na frase acima, são portadoras dos conceitos fundamentais de Piaget :
“inteligência como adaptação, comportando mecanismos de assimilação (ajuste do objeto aos esquemas de compreensão do sujeito) e acomodação (ajuste do sujeito, transformação dos seus
esquemas de compreensão em função do objeto) e conhecimento como resultado do ato cognitivo”.

 

2- A fala – relação com o Construtivismo

“É ASSIM, Ó, EU FUI FAZENDO, FAZENDO, ...”

Primeiramente, o sujeito que aprende se põe frente ao objeto
de sua aprendizagem. Depois, transfere essa experiência para a ação. No conceito de Piaget, o sujeito vai ajustando o objeto aos seus esquemas de compreensão.
Vê-se aqui o aluno que foi formando seu próprio conhecimento por diversos meios: diferentes experiências no meio físico ou social, lendo, cantando, contando, observando, manipulando, construindo, etc.
Nessa frase, pode-se imaginar que pela interjeição “Ó” (OLHE!), antecedendo o verbo fazer, o aluno mostra com as mãos como fez: “É ASSIM”, com elas em movimentos circulares constantes, expressando corporalmente seu modo de fazer, agindo ativamente no processo de construção, “FAZENDO, FAZENDO, ...” - acertando, errando - construindo aos poucos. Cabe aqui a citação que diz “o importante não é salientar o erro, mas resgatar sua positividade. Ele é encarado como indicador da etapa em que o aprendiz se encontra, uma espécie de saber relativo, com seus esquemas interpretativos possíveis àquele momento da constituição do conhecimento. Compreendê-lo abarca identificar como e por que se instala, ou seja, com que recursos conta o sujeito da aprendizagem para manifestá-la naquele momento e daquele modo”.
O “FAZENDO” duplamente citado leva a crer que não se conseguiu na primeira vez, mas que o erro foi positivo, fez parte do processo para se chegar ao produto.
Vai-se perceber que o aluno não cita o professor em sua fala. Entretanto, apesar de ser o aluno que realiza a sua própria construção (“FAZENDO...”), está intrínseco que esta foi orientada para que ele alcançasse o sucesso. Apesar da orientação recebida do professor, ele mostra-se autônomo na resolução de sua tarefa.

“...EU FUI TENTANDO...”

Dentro de uma concepção dinâmica do conhecimento, ações físicas e mentais fazem parte do processo da criação.
Muitas vezes é preciso fazer de outras maneiras para se conseguir, e vemos aqui que o aluno foi tentando estabelecer relações práticas e teóricas entre o que já conhecia e o novo apresentado.
Às vezes, o novo só parecerá novo mas poderemos interpretá-lo com os significados que já possuímos, entretanto, outras vezes, a fim de podermos dar conta do novo conteúdo ou situação, teremos a nossa frente um desafio ao qual tentamos responder modificando os significados pré-incorporados.
Ainda bem dentro do Construtivismo estão os verbos da fala no gerúndio, como “fazendo”, “ajeitando”, “misturando” e, em especial nesta parte da frase, “TENTANDO”, mostrando o aluno em plena atividade, numa ação continuada. Ele próprio observou a diferença das fases entre o “fazer”, e que não deu certo, com a fase seguinte, do tentar, no desenrolar da ação, “TENTANDO” para conseguir. Raciocinou, assim, sobre a necessidade de correção no processo, de novas colocações que ele mesmo teria que realizar, técnica muito enfatizada no Construtivismo. É fundamental que a criança perceba a necessidade de determinada aprendizagem para envolver-se, realmente, com sua tarefa. Essa tarefa deve parecer atraente, interessante e, a partir do momento que se lhe é apresentada como algo que permite preencher suas necessidades (de aprender, de saber, de influir, de mudar), estamos proporcionando as condições para que ela lhe interesse e ele aprenda. Tendo sido internamente despertada sua necessidade de aprender pode-se aventar que o aluno deixou de sentir as grandes dificuldades que o impediam de ser promovido na 1ª série. Com “EU FUI TENTANDO”, o aluno mostra que não se deixou abater pelo fracasso anterior e buscou a aprendizagem, incessantemente, até conseguir.
“...E AÍ EU CONSEGUI”.

O aluno chegou à etapa final de aprendizagem solicitada para que fosse promovido na 1ª série (CONSEGUI!).Conseguiu construir conhecimentos a partir da ajuda do professor, elemento não mencionado na frase, mas participante ativo nesse processo que trabalha o aluno como construtor ativo de conhecimentos, atuando sobre o conteúdo que deve aprender. Deixa transparecer alívio com “AÍ” (finalmente!) “CONSEGUI” (!). Percebe-se o “conseguir” como resultado da somatória de instrumentos utilizados: o professor – no processo de elaboração do conteúdo – o falar, cantar, escrever, ler, contar, dançar, etc. Uma aprendizagem contínua, de maneiras diversas, para que o aluno que aprende construindo consiga apropriar-se dos conteúdos escolares de natureza variada.
O próprio aluno avalia-se positivamente neste final de frase. Contudo, colocou, antes, que custou muito chegar até aqui, como indica a repetição dos verbos no gerúndio, citados anteriormente, deixando implícitas as fases de construção pelas quais passou. Foi construindo, adquiriu o conhecimento como resultado de todo o processo que envolveu suas ações anteriores.
Durante o processo ele aprendeu significativamente. Modificou o que já possuía, interpretou o novo, integrou-o e tornou-o seu. Conseguindo chegar ao resultado final através de uma aprendizagem adquirida de maneira significativa, ela será significativamente memorizada e será funcional, útil para ele continuar aprendendo.
Em síntese, “A aprendizagem, entendida como construção de conhecimento, pressupõe entender tanto sua dimensão como produto quanto sua dimensão como processo, isto é, o caminho pelo qual os alunos elaboram pessoalmente os conhecimentos. Ao aprender, o que muda não é apenas a quantidade de informação que o aluno possui sobre um determinado tema, mas também sua competência (...), a qualidade do conhecimento que possui e as possibilidades pessoais de continuar aprendendo”.
“TEM QUE IR AJEITANDO NA MINHA CABEÇA, ... “

Aqui, o professor é visto ajudando o aluno a compreender como se organizar e atuar para aprender, segundo a concepção construtivista. Nessa frase percebe-se o professor durante o processo, fazendo com que o aluno chegue a dar seu próprio significado ao conteúdo da aprendizagem, auxiliando-o a “ir ajeitando na sua cabeça” esses conteúdos. Pode-se enfocar o aluno, dentro dos princípios do Construtivismo, percebendo-se que há um processo de elaboração pessoal do conteúdo – por parte dele, como também ver o aluno depondo como se ele fosse autônomo, o responsável por sua própria aprendizagem, já que foi “ajeitando na sua (própria) cabeça”.
Segundo Piaget, os adultos incentivam o desenvolvimento da autonomia (significando ser governado por si mesmo, tomar decisões próprias) quando trocam pontos de vista com as crianças.
Vê-se, então, nessa frase, o professor como o adulto, fazendo o seu papel e o aluno agindo como o autônomo.
Sendo assim, neste trecho da fala “TEM QUE IR AJEITANDO NA MINHA CABEÇA”, tem-se outro conceito do Construtivismo que é considerar “o ensino como um processo conjunto, compartilhado, no qual o aluno, graças à ajuda que recebe do professor, pode mostrar-se progressivamente competente e autônomo na resolução de tarefas, na utilização de conceitos, na prática de determinadas atitudes e em numerosas questões”.
Pode-se dizer que, neste final de análise da fala, aluno e professor se integraram perfeitamente. O aluno, quando apresentou disposição para ir a fundo em seus estudos; o professor, quando fez com que houvesse uma forte interação do conteúdo com conceitos do cotidiano – entre outras coisas – até que tudo se ajeitasse. Quanto às dificuldades iniciais na alfabetização, não se deve deixar de levar em conta que a elaboração do conhecimento requer tempo, esforço e envolvimento das partes envolvidas, incentivo e afeto. No final, o aluno aprende e o professor sente-se útil e gratificado.
“... MISTURANDO COM AS OUTRAS COISAS “.

Com “MISTURANDO COM AS OUTRAS COISAS”, o aluno deixa claro que houve, por parte dele, uma reorganização dos saberes adquiridos anteriormente e ele foi construindo aprendizagens.
Como analisa César Coll , “quando o aluno enfrenta um novo conteúdo a ser aprendido, sempre o faz armado com uma série de conceitos, concepções, representações e conhecimentos adquiridos no decorrer de suas experiências anteriores, que utiliza como instrumentos de leitura e interpretação e que determinam em boa parte as informações que selecionará, como as organizará e que tipos de relações estabelecerá entre elas”.
Complementando: “Os conhecimentos que o aluno possui não são um obstáculo para a aprendizagem, mas o requisito indispensável para ela – os alunos e alunas não aprendem apesar de seus conhecimentos prévios, mas por meio deles –, e a compreensão da realidade é um processo gradual, que ocorre simultaneamente ao enriquecimento desses conhecimentos prévios, pois não se trata de suprimi-los, mas de usá-los, revisá-los e enriquecê-los progressivamente”.
As “outras coisas” que o aluno menciona, então, são conhecimentos acumulados graças à integração, modificação, estabelecimento de relações, vinculados a cada aprendizagem previamente adquirida. Os professores, conscientes de que o conhecimento é uma construção, devem estar atentos para isso, saber quais são esses conhecimentos prévios dos alunos, compreendê-los, explorá-los com eles e relacioná-los com o novo objeto de aprendizagem. Pode-se dizer também que através do espaço definido como Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), graças à interação e ajuda de outros, o aluno pôde trabalhar e resolver um problema ou realizar uma tarefa de uma maneira e em um nível que não seria capaz de ter individualmente.


3 – Conclusão

O estudo mais aprofundado dessa frase foi motivado pela simpatia com a fala da criança, pelo que se captou do que havia subentendido nas entrelinhas – a explicação inicial, pausada, a confissão do procedimento até conseguir, a alegria do resultado, a percepção da abrangência de toda uma concepção em poucas palavras – e pela teoria que o subsidiaria.
Tânia Ramos Fortuna foi feliz em seu questionamento ao aluno e ao coletar essa frase com conteúdo tão significativo. Entretanto, Jean Piaget já obtivera resultados tão fecundos e originais através do que ele batizou de “método clínico”. Um método de observação que consiste em deixar a criança falar e em anotar a maneira pela qual desenvolve o seu pensamento. Não é só registrar a resposta da criança à pergunta que lhe foi feita mas, sim, deixá-la falar. “Seguindo a criança em cada uma de suas respostas e, depois, sempre guiados por ela, fazendo-a falar cada vez mais livremente, termina-se por obter, em cada um dos domínios da inteligência, um procedimento clínico de exame análogo ao que os psiquiatras adotaram como meio de diagnóstico (CLAPARÈDE, Edouard, Archives de Psychologie. XVIII, p. 216).”
Através dessa análise percebe-se que esta criança realmente conseguiu elaborar, de maneira ingênua e simples, uma frase onde é colocada toda uma sabedoria infantil e que consegue explicar toda uma concepção. Certo é que não se utilizou de um discurso lingüístico com diversidades de palavras que até pudessem fazer parte do seu vocabulário no cotidiano, mas, numa frase curta, ela englobou, de certo modo, toda uma visão da concepção construtivista.
Percebe-se em sua fala, que o aluno demonstra um certo orgulho por ter conseguido ser aprovado na 1ª série após haver revelado dificuldades na alfabetização. Subentende-se que as tarefas do cotidiano durante o processo foram motivadoras e sua auto-determinação ao realizar, ao fazer, foram culminadas com a aprovação. Por conseqüência, tendo ele aprendido a aprender (fazendo, tentando, conseguindo), essa experiência fez com que seu auto-conceito fosse reforçado. O aluno passa assim a ter outra postura perante a vida, outra visão do mundo, influenciado que foi pelo resultado positivo obtido através de seu conjunto de atitudes positivas.
Na escola, na concepção construtivista, os alunos aprendem e se desenvolvem na medida em que podem construir significados adequados em torno de conteúdos. Este e outros conceitos que fazem parte da Concepção Construtivista da Aprendizagem e do Ensino foram vistos neste estudo, que não apresenta uma exposição tão profunda dessa concepção, mas mostra alguns de seus conceitos fundamentais que estão intrinsecamente relacionados com a fala. Para concluir, cabe ainda aqui a questão de ver o aluno em construção, pois, ao construir significados, os saberes adquiridos por ele formarão outra rede de conhecimentos que, sempre associada ao conhecimento prévio, fará parte da sua memória construtiva ou compreensiva. Ao estar constantemente formando essa memória ele, como qualquer outra pessoa, pode ter condições de vir a utilizar o conhecimento adquirido quando for necessário, inclusive em contextos diferentes daqueles nos quais foi construído.
Este aluno pôde assim, nesta série inicial, começar aprender a aprender, o que lhe dará maior disponibilidade para continuar aprendendo de forma cada vez mais progressiva e autônoma.
De acordo com a proposta do psicólogo soviético Vygotsky, é através da ZDP que é possível entender que aquilo que a pessoa é capaz de fazer com a ajuda dessa Zona “em um dado momento, poderá realizar independentemente mais tarde: aquilo que primeiro pode ser realizado no plano social ou interpessoal poderá, mais tarde, ser dominado e realizado de maneira autônoma pelo participante inicialmente menos competente”.
Após dificuldades enfrentadas, a avaliação positiva do aluno pelo professor foi ratificada pelo próprio aluno, foi substanciada de maneira inequívoca através de sua fala que demonstra que, através da construção do aprendizado elaborada por ele, houve apropriação do conhecimento e elevação de sua auto-estima. É da maior importância na concepção construtivista que a transformação consciente, por parte do aluno, ocorrida desde o processo ao produto final, implica na utilização do aprendizado adquirido num futuro processo de construção do saber, com maior facilidade e competência por parte do aluno.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLL, César (org.). O construtivismo na sala de aula. São Paulo,
Editora Ática, 1996.

FORTUNA, T. R. Aventuras psicopedagógicas na sala de aula – a
contribuição do construtivismo Piagetiano. Revista Psicopedagogia, São Paulo, 13 (31): 19-24, 1994.

KAMII, C. & DECLARK, G. Reinventando a aritmética. Campinas,
Papirus, 1992.

PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. 6. ed. São
Paulo, Martins Fontes Editora, 1993.

(*) Artigo publicado na REVISTA AEI DE ENSINO E PESQUISA –
Associação de Ensino de Itapetininga, Centro de Pós-Graduação da AEI.
Kopprint Reproduções Gráficas, Tatuí, 1999.
– Pequena biografia atualizada.

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